Encomendado
pela Organização das Nações Unidas (ONU), um levantamento sobre a
situação do aborto no mundo foi trazido recentemente à baila pelo jornal
americano Washington Post, ao repercutir julgamento na Suprema
Corte dos Estados Unidos, voltado a eventuais mudanças na lei, vigente
no Texas, sobre a interrupção de gestação. Validada em 2013, a lei (que
vem inflamando grupos pró e contra o aborto) é tão rígida, que levou
grande parte das clínicas habilitadas ao procedimento a fecharem as
portas.
De acordo com as organizações de defesa do aborto, o precedente é
perigoso, pois é capaz de inspirar outros Estados norte-americanos
conservadores, ameaçando prática liberada há mais de 40 anos naquele
país. Apesar da grande comoção causada pelo julgamento, a decisão foi
adiada para data indeterminada, em virtude de empate de votos entre os
magistrados.
Um dos grandes “legados” desse julgamento foi impulsionar a divulgação do estudo Abortion Policies and Reproductive Health around the Word
(Políticas sobre o Aborto e Saúde Reprodutiva no Mundo), publicado em
2014, que, com pequenas mudanças, continua bastante atual. Segundo o
próprio documento, “os dados fornecem informações marcantes, a serem
consideradas em meio ao debate”.
Limites e proibições
Desenvolvido pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (veja a íntegra em http://www.un.org/en/develo pment/desa/population/ publi cations/pdf/policy/Abortion PoliciesReproductive Health. pdf), o trabalho envolveu 195 países.
O senso comum acerta ao avaliar que limites e proibições ao aborto
são bem mais frequentes em países em desenvolvimento, comparados aos
desenvolvidos. Ou seja, os primeiros têm leis quatro vezes mais
restritivas do que os demais.
No entanto, mesmo nas nações marcadas pela liberalidade, não se pode
garantir permissividade quanto a interrupções de gravidez: segundo o
estudo, mesmo por lá existem restrições variadas. Por exemplo, apenas 70
países contam com políticas que admitem a prática por questões
“econômicas e sociais” e, em poucos, atendendo ao desejo da mulher e/ou
do casal.
É curioso observar que, apesar de somente 36% dos países aprovarem
aborto por motivos de carências de ordem econômica social, 61% das
pessoas do mundo podem valer-se desse argumento. As leis da China e da
Índia, detentoras de altíssimo índice populacional, contam com leis que
acolhem aborto motivado por pobreza ou miséria.
Conforme a ONU, as únicas regiões europeias onde o aborto é
terminantemente proibido correspondem ao Vaticano e à República de Malta
que, em virtude de forte influência católica, veda tanto a interrupção
da gravidez quanto o divórcio. Na América Latina, proibição irrestrita
acontece no Chile, República Dominicana, El Salvador e Nicarágua.
Para salvar vidas
Apenas em 18 países na África; 12, na Ásia; oito, na América Latina e
Caribe; e oito, na Oceania, o aborto é permitido em lei para salvar a
vida da mulher. Em contraste, as políticas mais liberais no tema se
fazem presentes na Europa e na América do Norte, que autorizam o
procedimento em 73% das situações de riscos maternos.
Segundo o estudo, os países com as políticas mais restritivas ao
aborto apresentam as taxas mais elevadas de procedimentos inseguros. Em
2011, nesses locais, a possibilidade de interrupções malfeitas de
gravidez eram quatro vezes maiores (26,7 abortos inseguros por 1 mil
mulheres com idades entre 15 a 44 anos) do que em países com políticas
mais liberais (6,1 abortos inseguros por 1 mil mulheres de 15 a 44
anos).
Os níveis mais elevados de mortalidade materna acompanham tais
números: em 2013, a taxa foi três vezes maior em países com políticas
restritivas ao aborto (223 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos)
do que naqueles com políticas liberais (77 mortes maternas, por 100 mil
nascidos-vivos).
Conforme o estudo, nos últimos anos, muitos governos têm implementado
iniciativas voltadas a melhorar o acesso aos abortos previstos em lei.
Nos últimos cinco anos, 87 dos 145 países com informações disponíveis
sobre o assunto (60%) adotaram medidas concretas nesse sentido.
Razões para o aborto
É permitido:
- Em 71 países-membros da ONU para preservar a saúde física e mental
da mulher; em caso de estupro e/ou incesto; ou deformidades ou
deficiências do feto;
- Em 70, por razões econômicas e sociais, ou por solicitação da mãe/casal;
- Em 50, apenas se for para salvar a vida materna.
- Seis proíbem a interrupção da gestação em qualquer situação.
Fonte: ONU
No Brasil
O Código Penal brasileiro, em vigor desde 1984, considera o aborto
como crime contra a vida humana, prevendo detenção de um a três anos
para a gestante que o provocar ou consentir que outro o provoque.
As situações previstas em “aborto legal” se referem à interrupção de
gestação da gravidez perante risco de vida à mãe ou em caso de estupro.
Diferentemente dessas previsões legais, a interrupção de gestação em
virtude de feto anencefálico não corresponde propriamente a “aborto”
e, sim, à “antecipação terapêutica do parto”. De acordo com o
entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), trata-se de condição na
qual “não há vida em potencial” e, portanto, “não demanda proteção
jurídica”.
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