É ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto
cesariano, garantida a autonomia do profissional, da paciente e a
segurança do binômio materno fetal. É o que afirma o Conselho Federal de
Medicina (CFM) na Resolução 2144/2016, encaminhada para o Diário
Oficial da União nesta semana. A norma, que entrará em vigor na data de
sua publicação, define critérios para cesariana a pedido da paciente no
Brasil e estabelece que, nas situações de risco habitual e para garantir
a segurança do feto, somente poderá ser realizada a partir da 39ª
semana de gestação.
“A autonomia da paciente é um princípio relevante e foi um dos
norteadores do CFM para a elaboração dessa norma, que considerou também
outros parâmetros bioéticos, como a justiça, a beneficência e a não
maleficência. Para que o parto cesariano por conveniência da paciente
seja aceito, é mister que ela esteja bem informada e tenha sido
orientada previamente para compreender as implicações de sua decisão”,
explica o conselheiro José Hiran Gallo, relator da Resolução CFM nº
2144/2016 e coordenador da Comissão de Ginecologia e Obstetrícia do CFM.
Nas primeiras consultas de pré-natal, o CFM orienta que médico e
paciente discutam de forma exaustiva sobre benefícios e riscos tanto do
parto vaginal quanto da cesariana, bem como sobre o direito de escolha
da via de parto pela gestante. Para o pediatra e 2º secretário do CFM,
Sidnei Ferreira, “a escolha do tipo de parto como decisão conjunta
médico/gestante é bem-vinda, devendo ser respeitado o desejo da mulher.
Entretanto, não se pode perder de vista que o mais importante é
preservar a saúde e a vida da mãe e do concepto”.
Para realização de parto cesariano a pedido, passa a ser obrigatória a
elaboração de um termo de consentimento livre e esclarecido pelo médico
para que seja registrada a decisão da parturiente. O documento deve ser
escrito em linguagem de fácil compreensão, respeitando as
características socioculturais da gestante e o médico deve esclarecê-la e
orientá-la tanto sobre a cesariana quanto sobre o parto normal.
“A paciente, quando devidamente esclarecida, decide com o médico as
suas opções de tratamento. O fulcro é a harmonização entre o princípio
da autonomia do paciente e a do médico, que deve se basear na melhor
evidência científica, sendo que o foco é garantir a segurança fetal e
materna”, ressalta Gallo.
Gestação a termo é marco seguro
O CFM adotou o marco de 39 semanas por ser o período em que se inicia
a gestação a termo. Redefinida em 2013 a partir de estudos analisados
pelo Defining “Term” Pregnancy Workgroup, organizado pelo Colégio
Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), este é o período que vai
de 39 semanas a 40 semanas e 6 dias. Antes dessa recomendação, bebês
que nasciam entre a 37ª e a 42ª semana eram considerados maduros. No
entanto, pesquisas apontaram a incidência recorrente de problemas
específicos em grupos de neonatos com idade gestacional inferior a 39
semanas.
De acordo com a ACOG, bebês que nascem antes do tempo têm maior
possibilidade de apresentar problemas respiratórios, como a síndrome do
desconforto respiratório; dificuldades para manter a temperatura
corporal e para se alimentar. Além disso, têm tendência a registrar
altos níveis de bilirrubina, o que pode causar icterícia e, em casos
severos, gerar danos cerebrais; assim como problemas de visão e audição.
Entre 37 e 39 semanas, o bebê atravessa uma fase crítica de
desenvolvimento do cérebro, dos pulmões e do fígado, alerta o Instituto
Nacional (norte-americano) de Saúde da Criança e Desenvolvimento Humano
(NICHD), outra fonte de análise para elaboração da Resolução aprovada
pelo CFM. O Instituto afirma que “poucas semanas fazem uma grande
diferença”.
“Quando não há indicação médica que justifique a antecipação do
parto, é primordial respeitar o prazo de 39 semanas para realização de
cesariana a pedido da gestante. Um dos reflexos dessa norma será a
redução de casos de recém-nascidos com dificuldades de adaptação à vida
extrauterina e, consequentemente, a redução das taxas de internação em
Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal”, aponta o pediatra e
corregedor do CFM, José Fernando Maia Vinagre.
A idade gestacional do nascimento é um marco importante na análise de
dados epidemiológicos sobre morbidade e mortalidade perinatal e, apesar
da crescente demanda por leitos de UTI Neonatal, 86 foram fechados no
país somente no primeiro trimestre de 2016, de acordo com dados do
Departamento do Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
Parto cesáreo deve ter indicadores
“Os esforços devem se concentrar em garantir que cesáreas sejam
feitas nos casos em que são necessárias, em vez de buscar atingir uma
taxa específica de cesáreas”, afirma a Organização Mundial de Saúde
(OMS) em relatório publicado, em 2015, sobre a revisão das taxas de
cesáreas.
Segundo o Ministério da Saúde, “considerando as características da
nossa população, que apresenta entre outros distintivos um elevado
número de operações cesarianas anteriores, a taxa de referência ajustada
para a população brasileira gerada a partir do instrumento desenvolvido
para este fim pela OMS estaria entre 25%-30%”.
As taxas de cesárea no Brasil, apesar de ajustadas, são estimativas –
visto que não há um sistema de classificação nacional. Considerando o
cenário global, a OMS afirma que também “não existe uma classificação de
cesáreas aceita internacionalmente que permita comparar, de forma
relevante e útil, as taxas de cesáreas em diferentes hospitais, cidades
ou regiões”.
“Há que se ressaltar que a cesariana salva vidas. Em diversos casos, é
uma indicação médica que visa garantir a segurança tanto do bebê quanto
da parturiente. Ter indicadores partos é de extrema importância, mas é
necessário definir padrões e a Classificação de Robson, recomendada pela
OMS, é o método adequado para o Brasil implantar”, explica o
coordenador da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia, José Hiran
Gallo.
A Classificação de Robson, apresentada em 2001 pelo médico Michael
Robson, reúne as gestantes em 10 grupos conforme suas características
obstétricas como, por exemplo, nulíparas (que nunca teve filhos) com
feto único em apresentação pélvica e multíparas (que já teve mais de um
filho) sem cesárea anterior com feto único, cefálico, ≥ 37 semanas e em
trabalho de parto espontâneo. As características de definição dos grupos
são informações colhidas rotineiramente nos hospitais, o que viabiliza a
implantação do sistema, a tabulação e a comparação dos dados.
Além de recomendar a Classificação de Robson “como instrumento padrão
em todo o mundo para avaliar, monitorar e comparar taxas de cesáreas ao
longo do tempo em um mesmo hospital e entre diferentes hospitais”, a
OMS informou que irá construir “um manual sobre como usar, implementar e
interpretar a classificação de Robson, que incluirá a padronização de
todos os termos e definições”.
*Informações do CFM