segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A importância da responsabilidade civil médica

Fonte: Tribunal de Justiça do Piaui - 05.01.2014

Por Desembargador Brandão de Carvalho

Nosso primeiro trabalho neste início de 2014 tratará de um tema muito recorrente nos tribunais pátrios, tratando da relevância da responsabilidade médica no âmbito civil, em face do manancial gigantesco de ações deste tipo que tramitam em todas as instâncias do judiciário. Tema polêmico, mas de suma influência nas áreas da medicina e do direito, que tem elevados estudos acerca da matéria posta por ser de interesse da própria sociedade em sua várias matizes.

Sabemos que os fundamentos do direito civil se assentavam em três pilastras a saber: o contrato, a família, posse e propriedade. Temos que avançar na profunda transformação no conceito de sujeito de direito para chegarmos ao direito social. Como nos diz Miguel Kfouri Neto, em “Culpa Médica e Ônus da Prova”... Busca-se o fenômeno da repersonalização colocando-se o indivíduo, como ser coletivo, no centro dos interesses: os direitos da personalidade- à intimidade, ao próprio corpo, dentre outros-, a preocupação com os hipossuficientes e com os demais sujeitos.

Ao sair do positivismo da Augusta Corte no qual nosso Código Civil de 1918 se inspirou e que teve vida longeva até 2002, quando foi promulgado e sancionado o novo Código Civil Brasileiro, mas já impulsionado pelo obsoleto, em razão de anos e mais anos nos debates congressuais do nosso Poder Legislativo, tornando-se velho logo no seu nascedouro. Orlando de Carvalho, citado por Luiz Edson Fachin é enfático: “restaurar a primazia da pessoa é sim o dever número um de uma teoria do direito que se apresenta como teoria do direito civil e é “ esta centralização do regime em torno do homem e dos seus imediatos interesses que faz do direito civil o foyer da pessoa, do cidadão puro e simples”.

A grandiosa e vultosa expansão da responsabilidade civil no âmbito do exercício da medicina fez acompanhar um crescente interesse da sociedade em buscar solução para reparação de todo e qualquer dano nesta área, não mais se concebendo que haja vítimas sem indenização pelos erros cometidos no exercício profissional do médico. A responsabilidade civil médica hoje é estudada à luz do grande número de julgados, livros, trabalhos jurídicos sobre o tema, o interesse demonstrado pela classe médica nos conduz, sem sombra de dúvidas, ao reconhecimento da responsabilidade médica no contexto da responsabilidade civil, que DE MATIEIS denomina de um sistema dotado di un intrinseca racionalitá.

Os autores em sua grande maioria têm afirmado categoricamente e reiteradamente, que a culpa médica é assunto de magna complexidade, a exigir estudo específico e diligente do operador do direito. Temos que convir que uma das causas determinantes da quantidade de demandas contra os profissionais da medicina se opera em razão da gradativa deterioração dos serviços médicos. Miguel Kfouri Neto, elenca estas causas complicadoras: a) as reportagens que popularizam as denúncias b) a falta de instrumental adequado ao serviço médico c) pouca ou nenhuma discussão sobre bioética, nas faculdades d)precárias condições de trabalho.

MEIRELLES, DRUMOND e FRANÇA, traçam o perfil do profissional e das condições facilitadoras do erro médico, nos Conselhos Regionais de Medicina. São eles: a) profissional com mais de 10 (dez) anos de graduação b) procedimentos de pequeno porte c) falha na comunicação com os familiares d) prontuários incompletos e) múltiplos empregos f) omissão de atendimento g) exiguidade de tempo h) indisposição pessoal i) instalações inadequadas j) má comunicação entre médico e paciente, k) prescrições verbais e decisões açodadas.

Outro gravíssimo problema que podemos detectar em todos os autores estudados é no tocante a preparação dos médicos. Recém-formados, sem exigência alguma, sem residência, atendem aleatoriamente em prontos-socorros, que se transformam em “escolões” para mais de um terço dos médicos recém-egressos das faculdades. Segundo Miguel Kfouri Neto, em Culpa Médica e Ônus da Prova, citando Eleuses Paiva assim se reporta: “esse quadro é apontado como a maior distorção da carreira médica no Brasil pelas principais lideranças médicas do país. Em países civilizados, apenas médicos experientes são admitidos em pronto-socorros por causa da complexidade e da urgência dos casos.” O grande médico Eleuses Paiva, ex -Presidente da Associação Paulista de Medicina foi enfático ao asseverar: “este é o maior crime que existe no Brasil. Em qualquer país, é o profissional mais treinado que faz plantão de urgência. Aqui, o médico que não consegue emprego acaba em um pronto socorro. Em alguns casos, o médico tem 30 segundos para decidir. Se não souber o que fazer, o paciente morre.”

Estamos estudando a gravidade de fatos que não são abstratos, mas concretos que acontecem e se avolumam a cada dia, onde os médicos são responsabilizados por esses acontecimentos durante a prática cirúrgica, agindo supostamente por dolo eventual, imperícia, negligência ou imprudência e responsabilizados pela legislação civil ou criminal se for o caso.

Neste espaço, nos preocupa a contenda nacional entre os Conselhos Regionais de Medicina e o Conselho Federal acerca do programa governamental “Mais Médicos” em que milhares de médicos estrangeiros chegam ao nosso país e iniciam seu mister sem a devida revalidação desses cursos feitos no exterior. Não quero aqui reprovar o que foi feito, até porque a finalidade se consubstancia em atender uma grandiosa população desassistida, mas preocupa-me o fato da falta de qualificação destes profissionais a exercerem a medicina em locais completamente adversos aos de suas origens, costumes, hábitos, língua e, com certeza, grades curriculares diferenciadas, o que vem obstaculizar uma boa prática da medicina em favor do povo. Ademais estes profissionais devem ser tratados com afetividade e respeito por serem pessoas estranhas ao convívio social em que estão inseridos, em país estrangeiro, aonde bem ou mal assistidos por força de lei prestar seus serviços a nossa gente sofrida. Não poderemos fazer acepção de pessoas, principalmente quando elas partem de seus países a procura de melhores dias e dando a força de seu trabalho com salários aviltantes, uma vez que boa parte deste se destina ao Governo de origem.

Que fiquemos atentos, acompanhando diuturnamente os médicos estrangeiros, pondo-os ao conhecimento de nossa legislação para que saibam os seus limites em relação ao nosso ordenamento jurídico.

Nosso próximo trabalho será a continuação deste tema no que se refere à culpa médica e o ônus da prova, para que possamos fazer uma análise abalizada a cerca de um assunto de alta relevância para a sociedade brasileira.

Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho
Decano e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense


http://carlosfigueiredo.blogspot.com.br/2014/01/a-importancia-da-responsabilidade-civil.html#.UsroTNJDuaI

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