terça-feira, 8 de outubro de 2013

A aplicação da teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil médica

Autora: Lilian França da Silva
Pós-graduanda em Direito Medico, Odontológico e da Saúde no Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos - IPEBJ - Ribeirão Preto/SP.
E-mail: lilianfranca.adv@gmail.com

          No âmbito da responsabilidade médica a teoria da perda de uma chance é tratada como perda da chance de cura ou de sobrevivência (la perte d’une chance de guérison).
          Antes da teoria da perda de uma chance começar a ser aplicada nos casos de erros médicos, a vítima que não conseguisse provar o nexo de causalidade entre a conduta (ação/omissão) do médico, não teria direito a receber uma reparação pelo prejuízo sofrido.
          A aplicação da teoria permite que a vítima venha a ser indenizada pela conduta culposa do médico, ao retirar do enfermo a possibilidade de se ver livre de um mal, contudo a chance deve ser real e séria e não uma mera hipótese. Desta forma, vêm decidindo nossos tribunais, que havendo mera possibilidade da ocorrência do resultado favorável, não haverá aplicabilidade da teoria da perda de uma chance:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO- MORTE DE PACIENTE DECORRENTE DE COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA – OBRIGAÇÃO DE MEIO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO - ACÓRDÃO RECORRIDO CONCLUSIVO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE- FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE - TEORIA DA PERDA DA CHANCE - APLICAÇÃO NOS CASOS DE PROBABILIDADE DE DANO REAL, ATUAL E CERTO, INOCORRENTE NO CASO DOS AUTOS, PAUTADO EM MERO JUÍZO DE POSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva;
II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o afastamento da condenação do profissional da saúde;
III - A chamada "teoria da perda da chance", de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos caso sem que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável; IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo inadmissível, pois, a responsabilização do médico com base na aplicação da "teoria da perda da chance"; V - Recurso especial provido. (Recurso Especial 2008/0251457-1 - Ministro Massami Uyeda (1129) – 3ª Turma STJ. DJe04/08/2009). (Grifo nosso).

        Citado por Savi, Rafael Peteffi, ressalta que na responsabilidade médica a perda de uma chance é embasada na causalidade parcial que a conduta do réu representa em relação ao dano final. Nas outras áreas, utiliza-se um tipo de dano autônomo, representado pelas chances perdidas.[1]
          A causalidade parcial se deve ao fato de o médico não ser o responsável pelo resultado morte ou fracasso no tratamento, mas pelo diagnóstico incorreto que, por culpa, impediu que o enfermo obtivesse um tratamento adequado.
          No mesmo sentido, Grácia C. M. do Rosário defende que existe um nexo causal estritamente jurídico e não natural nos casos de indenização pela perda de uma chance de cura. Ocorre que, apesar de o médico não ser o causador do dano, também não evitou a evolução da doença, por absoluta falta de diligência, pois ao agir de forma imperita e negligente, descumpre o dever de cuidado.[2]
          O nexo natural ocorre quando o médico é o causador direto do dano ao paciente (morte ou falha no tratamento). O nexo jurídico decorre do fato de o médico não ser o causador direto do resultado danoso, mas por culpa, não se utilizou de meios necessários para obter um diagnóstico correto possibilitando o tratamento adequado ao enfermo. Mesmo não sendo o causador da morte de um paciente, retardou o seu tratamento adequado por negligência ou imprudência.
          Justifica sua posição pelo fato de atualmente haver uma gama de recursos para o diagnóstico de doenças, técnicas avançadas de tratamento, sendo inconcebível justificar tais erros por falta de conhecimentos técnicos e científicos dos profissionais da saúde.
          Devemos nos remeter ao Código de Ética Médica, que impõe ao profissional da medicina o dever de aplicar todos os meios existentes para evitar o mal ao seu paciente, porém com a cautela de verificar que há doenças de difícil diagnóstico e de difícil tratamento, como no caso de doenças mais raras e ainda pouco conhecidas pela ciência. Além do fato de, em alguns casos, o organismo humano não responder adequadamente a determinados tratamentos, pois ainda possui segredos não desvendados pela ciência. O médico nestes casos não deverá ser responsabilizado.
          Para a autora, na responsabilidade civil médica por perda da chance de cura o que se indeniza é o dano moral e não o dano material, porque a conduta médica causa a perda da possibilidade de cura ou de sobrevivência do paciente e não a morte ou o fracasso do tratamento.[3]
          Ainda, para Rosário o enfermo já se encontra com a saúde, física ou psíquica, fragilizada e o abalo moral sofrido por não ter recebido um tratamento adequado, ou a ausência de atenção por parte do profissional da medicina, quando na verdade deveria se esperar todos os esforços para se obter o melhor resultado no tratamento do paciente.
          Nesse caso, não se trata de demonstrar que o médico foi o causador do dano, mas que sua falha ao não aplicar o tratamento eficaz ao paciente, retirou-lhe a chance razoável de atingir a cura ou de sobreviver, daí surge o dever de indenização por dano moral. O vínculo de confiança entre médico e paciente é quebrado.
          Devemos lembrar que o caráter da indenização é dúplice, ou seja, compensar o dano sofrido pelo paciente e desestimular condutas semelhantes com outros pacientes por parte dos profissionais.
          Exemplificamos com uma doença bastante comum, o câncer, que se diagnosticado de forma precoce, o paciente tem a possibilidade de ser curado ou quando não, receber um tratamento que o permita viver com qualidade de vida por longos anos. Porém, quando o médico diante de vários meios e métodos científicos, deles não se utiliza e deixa de diagnosticá-lo em seu paciente, vindo este saber meses depois através de outro profissional, da existência da doença, já não terá a mesma chance de se curar. No caso do câncer meses podem ser significativos quando o diagnóstico é feito precocemente.
          De acordo com o posicionamento de Grácia C. M. do Rosário, A Teoria da Perda de Uma Chance é aplicada quando há uma errada intervenção por parte do médico, onde o paciente perde a oportunidade de se ver livre de determinada enfermidade, porém deve-se comprovar a existência dos pressupostos da responsabilidade subjetiva: culpa, dano e nexo de causalidade, com ênfase no dano.[4]
          Contudo, mesmo diante das considerações acima, a autora defende que quando for difícil a comprovação do nexo de causalidade entre o ato médico culposo (ação ou omissão) e o dano sofrido pelo paciente, admitir-se-á como elemento prejudicial a perda da oportunidade de cura, desta forma surgirá o dever de indenização.[5]
          De acordo com Miguel Kfouri Neto a perda de uma chance repousa sobre uma possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia se concretizar; é certo que a vantagem esperada está perdida – e disso resulta um dano indenizável.” [6]
          Se assim não fosse, a vítima só teria direito a obter uma reparação pelo prejuízo suportado se provasse que o erro médico fosse o causador do dano. Mas há casos em que o médico não causa o resultado diretamente, mas poderia tê-lo amenizado ou ainda iniciar um tratamento antes que a doença agravasse, evitando o sofrimento do paciente e seus familiares.
          Para Fernanda Schaefer, “na teoria da perda de uma chance não é necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a culpa e o dano, pois aquela já estaria configurada no simples fato de não ter dado a chance ao paciente.” [7]
          Em 1990, no Brasil, através do julgado do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível 592020846[8], este entendeu que o nexo causal restava claro, não vislumbrando naquela hipótese a aplicação da “perda de uma chance”, tese alegada pelo apelante. O referido desembargador ao motivar a sua decisão traz fundamentos para a aplicação dessa teoria. In verbis:[9]

(...) o réu agiu com culpa ao realizar a intervenção cirúrgica com incisões que provocaram névoa diante do olho direito (f.), e produziu hipermetropia ao nível de dois graus no mesmo olho, defeitos cujo corretivo pós-operatório, através de medicamentos (colírio), conforme as técnicas apontam, não foi suficiente para a retificação e os ajustes necessários, e, ainda, é preciso esclarecer, para efeito de cálculo de indenização, que não se trata de perda de uma chance, a que em certa passagem se referiu o apelante. Na perda de uma chance, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa do agente (...). Aqui houve nexo de causalidade entre o comportamento do réu e o dano sofrido pela paciente.” (TJRS, Rel. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, RJTJRS 149/459). Grifo nosso.

          No mesmo sentido, em 15 de fevereiro de 2012, na Apelação Cível n° 0000712-28.2003.8.26.0505 do TJSP, o Relator Desembargador Luís Antônio Costa julgou. In verbis:

Ementa - Direito Civil e do Consumidor - Responsabilidade contratual - Plano de saúde - Demora para autorizar cirurgia — dano moral — Caracterização – Possível lesão ortopédica em decorrência da delonga para a intervenção - Aplicação da teoria da perda de uma chance - Compensação fixada em R$ 5.000,00, corrigidos da prolação deste acórdão e com juros moratórios de 12% ao ano da citação ~ Sentença reformada - Recurso provido. (Apelação Cível n° 0000712-28.2003.8.26.0505- TJSP. Relator Desembargador Luís Antônio Costa).

(...) Ora, embora o laudo pericial (fls. 191-195) não afirme categoricamente que a lesão da apelante tenha sido em decorrência da demora para autorização da cirurgia, a simples delonga para a permissão do procedimento é capaz, sim, de gerar dano moral. Isso porque, com tal conduta, a apelada suprimiu à apelante a chance de ter sido submetida à intervenção a tempo de evitar possíveis sequelas, que poderiam, possivelmente, ter sido remediadas com o procedimento imediato. Note-se a apelada teve de esperar mais de duas semanas para a cirurgia. (...) Grifo nosso.

              Kfouri Neto ressalta entendimento de Gerson Luiz Carlos Branco, o qual alega que pelo fato de não haver necessidade de existência de nexo causal entre a culpa e o dano, entende-se que a “culpa” é exatamente o fato de não ter-se dado ao paciente a oportunidade de sobreviver ou de curar-se.[10]
          Savi destaca o entendimento de Maurizio Bocchiola que a perda da chance de cura ou de sobrevivência deve ser preexistente, mesmo que não se tenha a certeza de um resultado favorável ou desfavorável, a cura ou a morte, decorrentes de uma atuação errônea do médico.[11]
          O que se deve indenizar é a perda da oportunidade e esta deve ser séria e real e neste sentido demonstramos sua aplicação através da Apelação nº 0136864-70.2008.8.26.0000 – Votorantim/SP –TJSP. Relator Caetano Lagrasta da 8ª Câmara de Direito Privado em 31/01/2012.

(...) Ademais, a jurisprudência nacional aceita a tese de que a mera perda de uma chance, se injustamente provocada, merece reparação. Nesse sentido (REsp 1190180, relatado pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 16.11.2010, por unanimidade): A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.
Não houve sequer a tentativa de submeter a vítima a exame razoavelmente acurado na busca de um diagnóstico correto. Melhor foi operá-la com a lesão gravíssima consumada. O pagamento de plano de saúde não pode ser diminuído para excluir da responsabilidade de qualquer dos partícipes ao atendimento ao paciente, com direito à preservação não apenas da saúde, como ao afastamento do risco de morte ou lesão.(...)

          O Prof. José Guilherme Minossi[12] acredita que a perda de uma chance ocorra com certa frequência na área de saúde, pois o fato dos pacientes aguardarem meses ou anos para uma avaliação médica, um exame e até um procedimento cirúrgico, faz com que tenham reduzidas as possibilidades de um diagnóstico preciso ou até de cura de sua doença.
          O professor cita o exemplo de um paciente que apresenta uma dor abdominal por um câncer de estômago, tão frequente na população e que tem que aguardar um certo tempo por uma consulta especializada. Em seguida a demora de longos períodos até o diagnóstico específico por um exame endoscópico e histológico. Por vezes, deve aguardar em uma fila por tratamento especializado.
          Outro exemplo citado pelo professor é o caso de pessoas que apresentam doenças benignas como cálculos de vesícula biliar e que também precisam aguardar um longo período em filas para que possam ter seu problema resolvido. Com frequência apresentam complicações de sua doença, podendo levá-las inclusive à morte.
          Neste caso, se o doente tivesse obtido um tratamento efetivo o efeito danoso não ocorreria. Nestas circunstâncias, a perda de uma chance é evidente e a culpa deve ser atribuída, todavia, ao precário sistema de saúde de nosso país, devendo ser responsabilizados os órgãos gestores (Municípios, Estados ou União).
            
Da indenização

          Ainda não há um consenso na doutrina e jurisprudência sobre a forma de indenização, se deve ser aplicada como danos materiais ou morais, havendo julgados em vários sentidos, pois ainda não há previsão legal no nosso ordenamento. Acreditamos que dependerá do caso concreto. No entanto, nunca devemos ignorar que a responsabilidade civil médica está calcada na existência de culpa, devendo haver negligência e imprudência.
          A indenização pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência deverá ser parcial, já que o que se indeniza é a chance perdida e não a vantagem perdida.
          Quantificar indenizações é sempre uma tarefa árdua para o julgador, principalmente quando se trata de danos morais, haja vista a dor sofrida pela vítima não possuir valor predeterminado por uma tabela. A análise deve ser feita de acordo com cada caso concreto, pois cada pessoa sente e vivencia suas experiências de uma forma. O que é mais intenso para um, é menos para outro.
          A seguir vamos descrever a posição de alguns autores para que seja feita a quantificação da indenização pela perda de uma chance.
          Conforme Savi destaca em sua obra, Bocchiola defendia que a indenização deveria ocorrer como dano emergente e não como lucro cessante e quando a possibilidade de obter a vantagem esperada fosse superior a 50%, poderia ser considerado certo e indenizável. E ainda, que a certeza do dano seria valorada segundo um cálculo de probabilidade. Entendimento que prevaleceu na Corte de Cassação Italiana.[13]
          Miguel Kfouri Neto assevera que “a perda de uma chance no âmbito médico abrange a causalidade, diferente das demais áreas que se refere aos prejuízos. (...) Tanto a chance perdida de obter um ganho quanto a de evitar um prejuízo tornam-se ressarcíveis”.
          Para fazer a quantificação da indenização, Kfouri Neto discorre que é necessário fazer uma avaliação do estado anterior da vítima e o dano ocorrido devido ao ato terapêutico que provocou a perda de uma chance, desta forma estabelece-se a proporcionalidade entre o ato médico e o dano em si.[14]
          Para o autor, na hipótese de o profissional ou hospital não demonstrar que aplicou todos os meios e tomou todas as cautelas necessárias para evitar o mal do enfermo, aplica-se uma indenização minimizada resultando entre 20 e 30% do que seria devido no caso de morte.[15] Se o ato médico tivesse sido a causa direta do resultado morte a indenização seria numa proporção maior, mas na situação colocada pelo autor, o que se indeniza é o ato que impediu que o enfermo obtivesse um resultado favorável.
          Grácia C. M. do Rosário traz algumas dicas para se fazer a quantificação da indenização. Inicialmente a autora alerta que deverá ser observada:

(...) a situação do lesado se a chance não tivesse sido frustrada; a chance propriamente dita, mensurada em razão do interesse partido, do grau de probabilidade da ocorrência do evento e do caráter reversível ou não da lesão que causou o fracasso; o valor da indenização que espelha a concretização da chance e a obtenção do proveito aguardado. A quantia deve ser menor do que o valor ajustado no caso de certeza concreta do dano. A chance só será considerada séria e real quando a probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 40%.

          Para a autora o dano que surge na perda de uma chance é de natureza moral. Mas há posicionamentos jurisprudenciais aplicando como dano emergente ou lucro cessante.
          A quantificação da indenização pela perda de uma chance será difícil em qualquer situação, seja como dano emergente, lucro cessante ou dano moral, pois primeiro dever-se-á verificar a probabilidade da ocorrência do resultado favorável. Não se indeniza o dano futuro, pois não há certeza de sua ocorrência, mas sim o dano atual, certo e sério. Em alguns casos, poderá caber tanto a indenização por danos materiais como por danos morais, deverá sempre levar-se em conta o caso concreto.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL E DE MÉDICO SEU PREPOSTO.
Falha de atendimento de prepostos. Dano decorrente da falta de cuidados para com a paciente recém-nascida. Alta que não poderia ser dada, em face da situação anormal de ausência de eliminação de mecônio pela pequena paciente nas primeiras 48 horas devida - Responsabilização civil pela perda da chance de vida. Estimação do “quantum” indenizatório em R$ 62.200,00 que, dadas às circunstâncias fáticas, mostra-se razoável para compensar os danos morais e servir de exemplo para alteração futura da conduta Recurso improvido, (...). (Apelação Cível n. 0001171- .2007.8.26.0664. Relator Desembargador Francisco Loureiro – 6ª Câmara de direito Privado do TJSP).

          No julgado acima, um casal diante do grande desejo de ter um filho recorreram ao tratamento de fertilização in vitro e obtiveram êxito nascendo no dia 19/12/2005, a pequena Nicolly. O casal gastou no procedimento cerca de R$ 10.000,00. Após 48 horas do nascimento, a mãe e Nicolly receberam alta, tendo a orientação do médico-réu para retornarem no prazo de 10 dias para consulta pós-natal.
          Ocorre que, dois dias depois Nicolly começou a passar mal. A mãe orientada pelo médico-réu levou a criança até o hospital, no entanto, o médico somente chegou após 1 h 45 min. A criança foi transferida para o hospital de Jales, pois o hospital de Votuporanga não possuía UTI neonatal, somente semi-intensiva. Nicolly faleceu no dia seguinte.
          A perícia entendeu que a criança não deveria ter recebido alta. O casal ingressou em juízo contra o médico e o hospital, pleiteando indenização por danos materiais e morais.
          O Nobre Magistrado aplicou a teoria da perda de uma chance por entender que a chance era real e séria, mantendo a indenização por danos materiais e elevando a indenização a título de danos morais.
          Não se aplica no caso supramencionado, mas havendo redução da capacidade laborativa do enfermo, além dos danos morais devidos pela angústia vivida por ele, entendemos caber também a reparação por danos materiais, pois o paciente não poderá exercer a atividade que exercia anteriormente, ou em alguns casos, não poderá exercer qualquer atividade, prejudicando o sustento de sua família.
          Por isso, difícil dizer com certeza que no caso da perda de uma chance o que se indeniza é somente danos morais ou somente danos materiais, pois dependerá de cada caso concreto.
          Em julgado mais recente, o STJ aplicou a Teoria da perda de uma chance, no REsp 1335622, condenando o hospital a indenizar em R$ 100.000,00 os pais de um bebê de oito meses pela recusa no atendimento. Neste caso, não foram consideradas quais eram as possibilidades do paciente obter um resultado favorável e sim a simples perda da oportunidade de receber o tratamento adequado foi considerado como dano. [16] Vejamos, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HOSPITAL PARTICULAR. RECUSA DE ATENDIMENTO. OMISSÃO. PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS. CABIMENTO.

(...) 3. A dignidade da pessoa humana, alçada a princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico, é vetor para a consecução material dos direitos fundamentais e somente estará assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma vida digna, na qual estão presentes, no mínimo, saúde, educação e segurança.
4. Restando evidenciado que nossas leis estão refletindo e representando quais as prerrogativas que devem ser prioritariamente observadas, a recusa de atendimento médico, que privilegiou trâmites burocráticos em detrimento da saúde da menor, não tem respaldo legal ou moral.
5. A omissão adquire relevância jurídica e torna o omitente responsável quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, como na hipótese, criando, assim, sua omissão, risco da ocorrência do resultado.
6. A simples chance (de cura ou sobrevivência) passa a ser considerada como bem juridicamente protegido, pelo que sua privação indevida vem a ser considerada como passível de ser reparada.
7. Na linha dos precedentes deste Tribunal Superior de Justiça, restando evidentes os requisitos ensejadores ao ressarcimento por ilícito civil, a indenização por danos morais é medida que se impõe (...).

(STJ - REsp 1335622 / DF - Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (1147) – Terceira Turma- 18/12/2012 - DJe 27/02/2013 - RSTJ vol. 229 p. 382).


CONCLUSÃO

          Por todo exposto acerca da Teoria da Perda de uma Chance aplicada na responsabilidade civil médica já encontra respaldo na nossa jurisprudência, embora ainda gere muitas discussões e dúvidas. É necessário grande cuidado por parte dos julgadores ao aplicá-la. Por ainda não haver previsão legal, devemo-nos utilizar da doutrina, jurisprudência e do direito comparado para sua melhor compreensão.
          Deve ser analisado, cautelosamente cada caso concreto, lembrando, que sempre a responsabilidade civil do médico nunca deve ser presumida e sempre deve calcar-se na existência de culpa, devendo sempre haver um dano.
          Conforme exposto ao longo do trabalho, as chances devem ser reais e sérias, ou seja, não podem configurar mera hipótese. Desta forma, é fundamental verificar o estado em que o paciente se encontrava antes da intervenção médica e o estado em que se encontra posteriormente à intervenção.
          Inevitavelmente, o juiz deverá se socorrer da perícia médica que juntamente com o conjunto probatório acostado aos autos terá elementos mais seguros ao decidir, embora não esteja adstrito ao laudo.
          O que deve ser indenizado é a oportunidade perdida e não a vantagem perdida, pois a doença sobreviria de qualquer forma, assim não será indenizada sua morte e sim a perda da oportunidade.
          É uma teoria que trata de certeza e ao mesmo tempo da incerteza, pois há a certeza de um dano, que é a chance perdida e há incerteza da realização da vantagem almejada.
          É claro que a indenização, seja por danos materiais ou morais, não vai apagar o sofrimento experimentado pela vítima ou por seus familiares, mas deverá trazer-lhes algum conforto, além de representar um caráter punitivo ao causador do dano.
          Ao médico é imposto o dever de informar o paciente, obter o seu consentimento, realizar o diagnóstico, proceder ao tratamento e quando necessário realizar uma intervenção cirúrgica, mas devemos considerar que o médico está sujeito à boa-fé do paciente, pois este também tem o dever de informar sobre seus sintomas, seu histórico, doenças preexistentes, sensibilidade a determinadas substâncias, quando tiver conhecimento. Ambos devem agir de forma a obterem um resultado favorável.
          Deve-se resgatar uma relação de confiança entre médico e paciente para alcançar um objetivo comum. Nota-se que essa relação vem se desgastando ao longo dos anos e não devemos atribuir esse fato somente ao médico, pois nem sempre que ocorrer um dano a um paciente significará que houve um erro médico.
Assim como o médico, o operador do direito deve buscar a atualização de seus conhecimentos, para que não se utilize indevidamente do judiciário e não cause sofrimento e prejuízos desnecessários ao seu cliente e ao médico.
          O advogado deve saber identificar a existência de um suposto erro médico de forma a evitar demandas infrutíferas e desgastantes às partes. E isso o advogado conseguirá através do aprimoramento do conhecimento.
          A aplicação da Teoria da Perda de uma chance não está restrita aos médicos, mas também aos hospitais, planos de saúde, clínicas, Sistema Único de Saúde, entre outros.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Apelação Cível n° 0000712-28.2003.8.26.0505- TJSP. Relator Desembargador Luís Antônio Costa. Disponível em: < http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5703596. Acesso em: 07/06/2012.

Apelação nº 0136864-70.2008.8.26.0000 – Votorantim/SP –TJSP. Relator Caetano Lagrasta da 8ª Câmara de Direito Privado em 31/01/2012. Disponível em: < http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5651387. Acesso em: 07/06/2012.

BRASIL. Constituição Federal 1988. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%E7ao_Compilado.htm. Acesso em 06/06/2012.
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BRASIL. Resolução CFM Nº 1.931, de 17 de Setembro De 2009. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética médica. CREMESP. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=8822. Acesso em 06/06/2012.

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ROSÁRIO, Grácia Moreira do. A perda de uma chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2009.

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SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico & erro de diagnóstico. 9ª reimpressão. Juruá, 2010.



           
                                 







[1] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2ª Ed São Paulo: Atlas, 2009, p.5.
[2] ROSÁRIO, C. M. do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de janeiro: Lumen Juris, p.8-9.
[3] ROSÁRIO, C. M. do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Ed. Lumen Juris. Rio de janeiro, p. 10-11
[4] ROSÁRIO, Grácia C. M. do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.134.
[5] Idem, p. 134.
[6] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 110-1.
[7] SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico & Erro de diagnóstico. 1ª ed. 9ª Reimpressão. Curitiba: Juruá. 2010, p. 76.
[8] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 112-3.
[9] Idem, p. 112-3.
[10] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 127.
[11] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 24
[12] Professor Assistente Doutor do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp; Perito Judicial, SP, BR.
[13] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.31.
[14] KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 112.
[15] Idem, p. 177
[16] www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=108490

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