Médico competente que muito me auxiliou na análise de casos de "supostos erros médicos".
Jamais esquecerei o direcionamento que me deu na fase em que eu escrevia meu TCC sobre a responsabilidade civil médica com aplicação da teoria da perda de uma chance.
Corrigiu este meu TCC quando estava na França, onde participava de um congresso médico. Jamais esquecerei a mão estendida pronta a me auxiliar.
.
Que tenhamos médicos em nosso país como ele foi, extremamente dedicado a sua profissão, sempre buscando mais conhecimento para o exercício de sua profissão, direcionando a seus pacientes e a qualquer pessoa, um tratamento humanizado.
A minha gratidão por tê-lo conhecido e recebido seu apoio em momentos cruciais da minha vida profissional.
Professor Doutor do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Titular do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões, do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e
Sociedade Brasileira de Cirurgia Videolaparoscópica.
Perito judicial.
INTRODUÇÃO
A
“Medicina Defensiva” pode ser definida como prática médica que prioriza
condutas e estratégias diagnósticas e terapêuticas que têm como objetivo evitar
demandas nos tribunais.
Embora
o médico possa ser acionado nos tribunais de ética e do Poder Judiciário, é
neste último que há um maior temor, particularmente com relação aos processos
na justiça civil, em que a condenação visa à reparação de um dano ao paciente e
tem caráter indenizatório por danos materiais e morais.
A
chamada medicina defensiva surgiu na década de 90 nos Estados Unidos da
América, numa tentativa de fazer frente às crescentes demandas legais dos
pacientes.
Um
estudo do Reino Unido (1995) mostrou que a maioria dos médicos (63,8%)
realizava práticas defensivas como: encaminhar pacientes desnecessariamente
para outros médicos, realizar controles não indicados em mais da metade das
vezes (63,4%) e solicitar exames complementares não justificados em 59,6% dos
casos1.
Um
estudo no México mostrou que 61% dos médicos utilizam práticas defensivas2,3.
Estimativas realizadas nos Estados Unidos no ano de 1995 mostraram que 17,6%
dos gastos da atenção médica se referiam às práticas de medicina defensiva.
Para cada dólar destinado a cobrir as apólices de seguros de responsabilidade
profissional, 2,70 dólares se destinavam ao produto de práticas defensivas4,5.
O
temor às demandas gerou gastos superiores a 10 bilhões de dólares somente nos
Estados Unidos, por meio da medicina defensiva.
Mais
de 90% dos médicos entrevistados pela Escola de Saúde Pública de Harvard
praticam a chamada “medicina defensiva”, que inclui exames caros e tem o
objetivo de evitar possíveis processos.
No
Brasil, embora sem estudos específicos sobre o assunto, podemos observar na
prática médica diária a consolidação da medicina defensiva. Embora exista em
nosso meio cada vez mais o temor de processos contra médicos, certamente esta
prática defensiva ocorre também em decorrência da precária formação médica em
nosso país, fazendo com que o profissional recém-ingressado no mercado de
trabalho utilize meios requintados de diagnósticos em detrimento do exame
clínico pormenorizado e de uma adequada comunicação com o paciente.
A
formação precária do profissional decorre do fato de que em nosso país há um
grande número de escolas médicas, com cursos de graduação, de um modo geral,
deficitários, sendo que quase 50% dos formandos não têm acesso a uma residência
médica ou a um curso de especialização.
Além
das péssimas condições de ensino e aprendizagem, temos os baixos salários dos
professores e dos próprios médicos, falta de recursos para a pesquisa e
extensão, e condições inadequadas de trabalho.
A
medicina defensiva na prática se caracteriza pela utilização exagerada de exames complementares, uso de procedimentos
terapêuticos supostamente mais seguros, encaminhamento freqüente de pacientes a
outros especialistas e a recusa ao atendimento de pacientes graves e com maior
potencial de complicações.
Exames complementares são
realizados de forma abusiva pelos profissionais, na tentativa de evitar possíveis
acusações de negligência ou omissão em caso de insucesso. Isto pode ser
exemplificado pelo uso rotineiro de exames pré-operatórios em demasia para todos
os pacientes que serão submetidos a uma operação, independente da idade e
complexidade do procedimento. Sabemos muito bem que uma avaliação clínica
criteriosa pode dispensar exames em pacientes abaixo de 40 anos de idade. Acima
desta faixa etária os exames devem ser solicitados criteriosamente, sendo
dispensáveis, de um modo geral, as dosagens de eletrólitos, enzimas hepáticas,
avaliação cardiológica e pulmonar, que somente deve ser usada quando o exame
clínico indicar alguma anormalidade específica nesses aparelhos, ou o paciente
apresentar doenças prévias.
A
maior parte dos pacientes portadores de cefaléia não precisa de uma tomografia
computadorizada ou uma ressonância magnética como reza um manual de medicina
defensiva6. Precisa sim de uma história clínica e um exame físico
bem realizado.
Da
mesma maneira tornou-se rotina o uso da tomografia computadorizada ou da ressonância
magnética em casos de traumatismo de crânio, por menor que seja, independente
de sua natureza ou da sintomatologia.
Temos
observado na prática clínica diária que pacientes com queixas vagas de refluxo,
dispepsia, alteração do hábito intestinal, normalmente por síndrome do
intestino irritável, são submetidos a um número exagerado de endoscopias
digestivas altas e colonoscopias, exames que eventualmente terminam em
complicações graves. Esta prática não tem somente finalidade defensiva, mas por
vezes visa à criação de um procedimento médico com intuito de aumentar a
remuneração do facultativo, situação ainda mais grave e odiosa que a própria
prática defensiva.
Um
inquérito realizado pelo Colégio Americano de Cirurgiões, entre 16.000 de seus
membros, revelou que cerca de metade dos exames solicitados eram
reconhecidamente dispensáveis, porém foram feitos como autoproteção do médico
contra possíveis processos de má-prática.
Não
resta dúvida de que o uso criterioso de exames nas situações descritas é uma
prática mais racional e traz melhores custos e benefícios.
Nos poucos casos em que a não realização de
um exame pré-operatório para fins diagnósticos mostrar-se posteriormente
importante, não pode ser considerado que o médico foi negligente ou omisso,
desde que o mesmo tenha realizado uma propedêutica adequada, anotado em
prontuário e inclusive colocado uma observação de que o caso deveria ser
reavaliado em
breve. Exemplificando : um paciente relativamente jovem que
foi orientado sobre um quadro de dispepsia e que em decorrência da não melhora,
em exame complementar num período curto de tempo é revelado um tumor de cólon,
certamente não pode ser imputada ao médico uma culpa. Da mesma forma, o médico
que ao indicar mal uma colonoscopia e tem como complicação uma perfuração
colônica deve ser considerado imprudente pois o resultado não foi apenas
indesejável e sim decorrente de um ato culposo.
Podemos
observar também o uso exagerado de exames na área da cardiologia. Certamente, a
maior parte dos pacientes que procuram este tipo de profissional poderia
resolver seus problemas com uma simples consulta médica e orientação. O que se
observa, no entanto, é que frequentemente a realização de um eletrocardiograma
precede inclusive o exame clínico. Da mesma forma são usados
indiscriminadamente exames mais requintados, como monitoramentos de 24 horas,
ecocardiograma, cintilografia, angiotomografia, cateterismo, etc. Percebe-se
então que não há a preocupação em estabelecer um diagnóstico, mas, simplesmente
excluir doenças.
Com
relação ao uso de procedimentos
terapêuticos como prática defensiva, podemos citar o uso exagerado de
antibióticos preventivos em operações, que por vezes não seguem uma indicação
adequada ou são utilizados por períodos prolongados. Recentemente em um
congresso de cirurgia o conferencista foi indagado do porquê de se utilizar
rotineiramente antibióticos preventivos nas hemorroidectomias. A reposta foi de
que era para se proteger de possíveis conflitos médico-legais, caso o paciente
tivesse uma infecção. A maioria dos serviços de cirurgia não utiliza
antibiótico profilático em doenças orificiais tratadas cirurgicamente, devido
ao baixo índice de infecção pós-operatória. A infecção é uma complicação
inexorável e pode ocorrer após qualquer tipo de operação. Caso aconteça, o
médico tem todos os meios de executar sua defesa com segurança.
Em
cirurgia geral temos ainda observado um fato inusitado com relação à correção
das hérnias inguinais. Os americanos estabeleceram que o padrão-ouro na correção
deste defeito é através da utilização de um dos materiais sintéticos
disponíveis.
A
utilização desses biomateriais de fato faz com que a recidiva das hérnias seja
muito baixa, em torno de 1%. Todavia o índice de complicações com a utilização
dessas próteses chega a níveis preocupantes, principalmente a extrusão (2%),
inguinodinia (10%), dentre outras. Entendemos que o uso sistemático das telas
se constitui em um abuso7, embora tenha amplas indicações.
Certamente o uso racional das próteses, baseando-se nos defeitos anátomo-funcionais
da região inguinal seria uma conduta mais prudente8.
É
possível que a busca por uma recidiva próximo a zero, seja pelo temor em
enfrentar este tipo de complicação e suas consequências legais.
Este
fato criou uma situação paradoxal, pois pode deixar desprotegido aquele médico
que eventualmente não faz uso do material, por não julgar necessário e
apresenta uma recidiva.
Na
prática cirúrgica diária devemos sempre considerar qual o melhor método se
aplica àquele caso e não tratar a recidiva ou mesmo outras complicações como um
insucesso decorrente de um ato culposo do cirurgião, desde que o mesmo tenha
respeitado todos seus deveres de conduta.
Com relação ao encaminhamento de pacientes a outros especialistas, tem-se
observado que esta é uma prática defensiva comum, principalmente entre os
médicos do SUS e que atendem convênios. De um modo geral não querem se
compromissar a ver o paciente como um todo e solicitam avaliação especializada
frente a qualquer queixa que não a de sua área de atuação. Este fato além de
aumentar os gastos com a saúde, faz aumentar as filas e diminui a resolução dos
casos. Não há dúvidas de que a baixa remuneração do profissional é outro fator
que favorece esta conduta.
A recusa de pacientes se constitui também em uma prática defensiva
comum e que pode levar a graves complicações ao doente.
No manual de medicina defensiva há
conselhos para o médico evitar o paciente de risco, dentre eles os pacientes
que recusam determinadas terapias por razões éticas ou religiosas, como os
seguidores da religião “Testemunhas de Jeová”. Recentemente o anestesista de
nosso serviço suspendeu a cirurgia de correção de cistocele e retocele de um
paciente da referida religião. Trata-se de uma conduta inaceitável, pois é um
desrespeito a autonomia do paciente. Sem dizer que o procedimento é de
baixíssima possibilidade de transfusão. É um caso nítido de medicina defensiva
e confronto desnecessário para com o paciente. Se todos os médicos fizerem
isso, quem vai atender esses doentes? O médico deve ter respeito profundo à
diversidade religiosa, à opção sexual ou política. Isto é característica da
sociedade democrática e uma das grandes responsabilidades do médico.
A recusa de pacientes também ocorre
em situações em que há grande risco de complicações, como em algumas cirurgias
neurológicas, cardiovasculares e transplantes.
Em nosso meio muitas vezes a recusa
acontece também pelos baixos valores pagos aos procedimentos, tanto no SUS,
como nos convênios, o que faz com que o médico atue na defensiva, pois se tiver
um mal resultado e um conflito médico-legal, os gastos com a condução do processo
são elevados, sem falar no desgaste emocional e no tempo longo de tramitação da
ação.
A MEDICINA DEFENSIVA COMO SUPOSTA MEDIDA
DE PROTEÇÃO CONTRA PROCESSOS LEGAIS.
A legislação brasileira é bastante
justa em seu ordenamento jurídico no que se refere à responsabilidade penal e
civil do médico. Da mesma maneira o é o código de Ética Médica, aplicado pelos
tribunais de Ética, dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina.
O médico para ser condenado por
qualquer um dos tribunais, principalmente na justiça civil, em que acontece a
maioria das ações por responsabilidade médica, precisa provocar um dano ao seu paciente, e este dano tem
que ser o resultado de um ato culposo, isto é, tem que agir com imperícia,
negligência ou imprudência.
Por maior que seja o dano, o médico
só será condenado, se houver culpa.
A medicina atual, detentora de um grande avanço tecnológico, beneficiando muito
o paciente, tornou-se mais invasiva, com maiores riscos de danos ao paciente.
Sendo assim a proteção do médico não
pode ser realizada através da medicina defensiva, que se constitui em um fator
de diminuição da assistência aos pacientes de maior risco, leva a um maior
custo da medicina, não só para o usuário, como também para a sociedade como um
todo9.
As medidas de proteção incluem, além
da aplicação cautelosa dos novos avanços tecnológicos, uma relação médico
paciente mais pessoal e o conhecimento dos deveres de conduta do médico, já que
toda vez que se avalia a responsabilidade de um profissional em determinado ato
médico, tanto no âmbito ético ou legal, leva-se em consideração esses deveres
de conduta, que resumidamente são:
• Dever de informação: é fundamental que o paciente seja informado
pelo médico sobre a necessidade de determinadas condutas ou intervenções e
sobre seus riscos e conseqüências. No caso de menores ou incapazes, essas
informações devem ser fornecidas aos pais ou representante legal.
É necessário que todas as
informações sejam registradas no prontuário, que é uma das primeiras fontes de
consulta e informação sobre um procedimento médico contestado.
• Dever de atualização: o regular exercício profissional do médico
não requer apenas uma habilitação legal. Implica também no aprimoramento
contínuo, adquirido por meio dos conhecimentos mais recentes da nossa
profissão. A capacitação profissional é sempre verificada toda vez que se
discute uma responsabilidade médica. Além disso, o artigo 5º, do Código de
Ética Médica, diz que: “o médico deve aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do
paciente”.
•
Dever de vigilância: o ato médico
deve ser isento de qualquer tipo de omissão que possa ser caracterizado por
inércia, passividade ou descaso. Essa omissão tanto pode ser por abandono do
paciente, como por restrição do tratamento ou retardo no encaminhamento
necessário.
Enquadra-se
nessa situação, a troca de medicamento por letra indecifrável, o esquecimento
de corpo estranho em operações, medicar por telefone, transfusões
incompatíveis, dentre outras.
• Dever de abstenção de
abuso: quando da avaliação do dano produzido por um ato
médico, deve ficar claro, entre outros, se o profissional agiu com cautela
devida e, portanto, descaracterizado de precipitação, inoportunismo ou
insensatez.
Exceder-se
na terapêutica ou nos meios propedêuticos mais arriscados é uma forma de desvio
de poder e, se o dano deveu-se a isso, não há como negar a responsabilidade.
Ainda que esses meios não sejam invasivos ou de grande porte, basta ficar
patente a sua desnecessidade.
Sendo
assim, usar abusivamente de meios diagnósticos invasivos ou não, indicar
operações desnecessárias, realizar experiências no ser humano, fora de
protocolos de estudo e sem o devido consentimento, são algumas formas de abuso
que por vezes terminam em dano ao paciente e, portanto, são passíveis de
condenação do médico.
Além
de conhecer com precisão os deveres de conduta, uma maneira de se prevenir os
erros no exercício da medicina, é conhecer os fatores de risco. Na prática são
muitos os fatores de risco que levam ao mau resultado e são classificados
didaticamente em assistenciais e não assistenciais9,10.
Entre
os fatores de risco não assistenciais, destacam-se:
1) O Sistema de Saúde
O
Sistema de Saúde Pública é distorcido e desorganizado. Temos uma rede básica de
saúde que funciona mal, é desestruturada na maioria dos municípios brasileiros,
onde existem profissionais mal remunerados, com limitação de sua atuação.
Consequentemente, a população não consegue ter uma resolutividade adequada dos
problemas que a afligem.
A
rede hospitalar de quase todo país, onde deveria se exercer a Medicina Curativa
e de Urgência, está cada vez mais sucateada, haja vista os insuficientes
investimentos tanto pelo poder público municipal e estadual, bem como federal.
Todavia, existem ilhas de serviços públicos eficientes, normalmente
concentrados em grandes hospitais públicos ou fundações, ou em centros universitários
de excelência, que frequentemente executam procedimentos de alta complexidade.
Por
outro lado, a criação das empresas de assistência médica que prioritariamente
visam ao lucro, além de remunerarem mal os profissionais da saúde, com frequência,
limita a sua atenção, o que coloca entre o médico e os pacientes muitos
conflitos, os quais, quase sempre levam a complexas implicações de ordem ética
e legal.
Portanto,
o médico exerce suas atividades em um ambiente de penúria e precariedade.
2) A falta de compromisso do
médico
O
médico deve trabalhar sempre em condições próximas às ideais, devendo denunciar
as condições inadequadas de trabalho, não ficando indiferente como tem
acontecido, pois o exercício da Medicina é um ato político em favor da saúde
individual e coletiva, e também a busca da cidadania. É dever do médico lutar
organizadamente em favor das melhores condições de atendimento e não considerar
a doença como um resultado da fatalidade.
3) A não participação da
sociedade
A
sociedade, por intermédio dos seus movimentos organizados, deve entender que a
luta contra o mau resultado na assistência médica passa por propostas e
encaminhamentos das políticas sociais, públicas e que esse resultado
indesejável não tem como única causa os erros dos médicos. Sendo assim, o ideal
seria que esses grupos se aliassem aos médicos e a todos aqueles que se
interessam pela luta em favor da boa assistência médica, no sentido de exigir,
principalmente, de órgãos governamentais, uma melhoria nas condições de vida e
saúde da população.
4) A não revisão do aparelho
formador
O
Brasil é o país que tem o maior número de escolas médicas do mundo, com cursos
de graduação, de um modo geral, deficitários, sendo que quase 50% dos formandos
não têm acesso a uma residência médica ou a um curso de especialização.
Além
das péssimas condições de ensino e aprendizagem, temos os baixos salários dos
professores e o aparelho formador não lança no mercado de trabalho médicos com
o perfil adequado para as exigências da sociedade. Sem falar, ainda, na falta
de recursos para a pesquisa e a extensão.
Seria
necessária uma revisão sobre a qualidade de ensino, e também dos critérios
adotados para abertura de novos cursos de Medicina.
5) A falta de ensino contínuo
É
evidente que para se exercer a profissão médica não basta apenas uma
habilitação legal, representada pela posse de um diploma e seu registro nos
Conselhos de Medicina. É necessária uma contínua habilitação profissional
constituída de um permanente aprendizado, que pode ser adquirido por meio da
leitura das publicações especializadas, participação em congressos, curso de especialização
ou estágios em centros hospitalares de referência.
Com
relação aos fatores assistenciais podemos citar:
1)
O
desgaste da relação médico-paciente
Uma
relação médico-paciente amistosa deixa o assistente e o assistido em condições
de exercer com tranqüilidade seus papeis. O que se observa é um desgaste dessa
relação, por inúmeros motivos, dentre os quais: o pequeno tempo que o médico
tem dedicado a conversar com o paciente, principalmente, por ser mal
remunerado, por ter vários empregos e também pelo uso excessivo da tecnologia
em detrimento da medicina tradicional, baseada na observação, na história, na
percepção da doença e do doente. Deve o médico encontrar uma maneira de dedicar
maior tempo ao contato com o paciente, orientando-o de forma mais carinhosa e
explicando-lhe sobre todos os procedimentos a serem realizados, com seus riscos
e consequências. Mesma conduta deve ser adotada em relação aos familiares, pois
um relacionamento mais pessoal com o assistido e seus próximos podem evitar
muitos conflitos legais.
2)
A
falta de condições de trabalho
Não
há nenhuma dúvida de que boa parte dos danos produzidos no exercício da
Medicina se deve às péssimas condições de trabalho dos médicos. Mais fácil
porém é culpar os mesmos como os primeiros responsáveis. Pouco pode ser feito
pelo profissional isoladamente, que na maioria das vezes não tem outra opção a
não ser submeter-se a condições precárias e humilhantes do seu dia a dia de trabalho.
Nossas entidades de classe, inexplicavelmente, têm tido pouco poder de
denunciar e tentar resolver junto aos órgãos municipais, estaduais e federais
essas graves falhas estruturais de nosso sistema de saúde.
3)
O
abuso de poder
Abusa
do poder o médico que atua sem a devida cautela, isto é, de maneira
precipitada, inoportuna ou insensata. Uma forma comum de desvio do poder é o
médico que executa procedimentos sem ter a devida qualificação. Isso não
significa que o médico deva exercer exclusivamente sua especialidade. Pode e
deve atuar em diversas áreas da Medicina, sempre em benefício do paciente, mas
essa atuação deve ser prudente, diligente e com perícia.
4)
A
falsa garantia de resultado
O
médico, embora deva ser sempre otimista quando se relaciona com o paciente, ele
não deve garantir resultados, pois caso o faça, ele está assumindo uma
obrigação de resultados. Deve evitar, também, minimizar um procedimento, como
por exemplo, na cirurgia laparoscópica, em que alguns profissionais se
comprometem a realizar a intervenção por “furinhos” ou a “laser”, como é
chamada popularmente a cirurgia por laparoscopia. Caso o resultado não seja
obtido, passa a ser uma violação ao dever de informar, devida e corretamente.
5) A falta de consentimento
esclarecido
Trata-se
de documento assinado pelo paciente ou responsável, consentindo ao médico a
realização de determinado procedimento diagnóstico ou terapêutico, após haver
recebido informações indispensáveis sobre a sua execução.
O
consentimento deve ser obtido de um indivíduo civilmente capaz, isento de
coação, influência ou indução, por meio de linguagem acessível no seu nível de
convencimento e compreensão. O consentimento não é um ato irretratável e
permanente, portanto, deve obedecer aos princípios da revogabilidade e da
temporalidade.
O
termo de consentimento esclarecido deve ser encarado como uma peça para a
defesa do médico, não se constituindo, todavia, em prova absoluta, pois apenas
integra, na qualidade de prova documental, o arsenal probatório a ser
apresentado ao juízo.
Por
outro lado, deve ficar claro que o fato de se ter um consentimento esclarecido,
isto, por si só, não isenta o médico quando da existência de outras faltas no
cumprimento dos deveres de conduta.
6)
O
preenchimento inadequado de prontuários
Um
dos elementos mais valorizados quando da avaliação de um procedimento médico
contestado é o prontuário do paciente.
O
prontuário deve ser minucioso, estar de forma legível, ordenado e conciso. Deve
conter o exame clínico, prescrição, relatórios de enfermagem, os relatórios de
anestesia, operação, a ficha de registro de resultados de exames
complementares, além da ficha de controle de infecção e resumo de alta.
Apesar
da importância deste documento, tem-se observado nos casos de perícias
judiciais que muitas vezes o mesmo é incompleto, com letra ilegível, com dados
conflitantes com a enfermagem, quando eventualmente ausente.
7)
O
abandono do paciente
A
regra é que o médico não pode abandonar seu paciente, a não ser em situações
muito especiais, previstas no artigo 61 do Código de Ética Médica, já que
existe entre o médico e o paciente uma relação contratual.
Falta
com o dever de vigilância em casos de operação o médico que negligencia algumas
complicações pós-operatórias, como por exemplo, os cuidados com a hidratação, o
diagnóstico precoce de deiscência de suturas, infecções, etc, que normalmente
requerem uma conduta imediata.
O USO DO CONSENTIMENTO INFORMADO E A
MEDICINA DEFENSIVA
Existem, no momento, duas concepções
distintas sobre o consentimento informado.11 Em uma delas,
partindo-se do referencial da medicina defensiva, se o entende
preferencialmente como um instrumento documental, que deve ser assinado pelo
paciente e que tem como objetivo constituir provas para futura defesa de um
eventual processo judicial de responsabilidade médica. Já em uma concepção
fundada na bioética, percebe-se o consentimento informado como um processo
contínuo de informação e esclarecimento recíproco nas relações entre prestadores
e usuários de serviços de saúde, visando a proteger prioritariamente a
autodeterminação do paciente.
Na verdade o consentimento informado
deve ser tratado como um documento assinado pelo paciente ou responsável,
consentindo ao médico a realização de determinado procedimento diagnóstico ou
terapêutico, após haver informações indispensáveis sobre a sua execução. Tem
como finalidade garantir a autonomia do
paciente e delimitar a responsabilidade do médico que realiza o procedimento,
uma vez que desta forma cumpre com o seu dever de bem informar.10
Um paciente, por exemplo, que por
motivos religiosos, não aceita transfusão de sangue durante uma operação, tem a
sua vontade e autonomia expressa neste documento e o médico sua
responsabilidade delimitada.
Seria o caso também de um paciente
que vai ser submetido a uma colecistectomia videolaparoscópica e é informado
sobre as possibilidades de conversão para cirurgia aberta, assim como
possibilidade de lesões iatrogênicas das vias biliares. Frente a uma dessas
intercorrências não pode alegar desconhecimento, desde que adequadamente
informado.
Um doente que vai ser submetido a
uma herniorrafia inguinal deve ser orientado não só quanto à possibilidade de
recidiva, como também quanto às eventuais complicações tardias do uso das
próteses.12
Entendemos que se essas informações
forem adequadamente registradas em prontuário, têm valor ético e legal
semelhante ao termo de consentimento. Isto porque o termo de consentimento
informado não consegue prever todas as possibilidades de intercorrências ou
complicações em um determinado caso.
O termo de consentimento informado
não deve ser usado também como substitutivo da comunicação oral, podendo assim,
ao contrário de seu objetivo, gerar desconfiança em relação aos médicos e
aumentar a potencialidade de conflitos.13 A informação escrita pode
ajudar o diálogo, mas não o substitui.14
Embora o consentimento informado
seja uma exigência ética e jurídica na assistência médica atual, entende-se que
não é necessário e nem aconselhável obter a assinatura do paciente em
documentos escritos de consentimento informado para todo e qualquer
procedimento, numa clara prática de medicina defensiva. Não há garantia de que
esta conduta irá evitar futuras demandas judiciais, além de, com isso, criar-se
um distanciamento e desconfiança na relação médico-paciente.
Da mesma forma se devem evitar exageros na elaboração do
documento, que possa assustar o paciente e dificultar seu acesso ao tratamento.
Se a um jovem que vai ser submetido a uma herniorrafia inguinal, fazemos
assinar que após o procedimento, o mesmo poderá perder um testículo, certamente
irá recusar-se a submeter-se ao tratamento cirúrgico e poderá ter as
complicações de sua doença posteriormente.
É recomendável que os médicos
mantenham sempre adequadamente elaborados os prontuários dos pacientes,
incluindo o registro das informações que foram transmitidas e o grau de
participação dos pacientes e seus familiares nas decisões terapêuticas. Tais
documentos, caso sejam devidamente preenchidos, podem servir como prova de que
foi cumprido o dever de informar, que é conteúdo do consentimento informado.
Também servem para registrar o grau de comprometimento e cooperação dos
pacientes, o que é imprescindível para a eficácia dos serviços médicos.
CONSEQUÊNCIAS DA MEDICINA DEFENSIVA
As consequências mais evidentes
desta prática médica são:
- Onerar excessivamente o paciente
- Onerar excessivamente os planos de saúde
- Interferir negativamente na relação
amistosa que o médico deve ter com seus pacientes e familiares
- Recusa no atendimento a pacientes graves,
com doenças complexas e com potencial de complicações ou sequelas
- Maior sofrimento ao paciente
O
maior sofrimento ao paciente não decorre apenas do fato de a medicina tornar-se
mais dispendiosa e artificial, mas também da menor resolutividade. Encaminha-se
demais, realizam-se exames excessivamente, quando poderia ser dada uma solução
de maneira mais simples e efetiva à maioria dos males que aflige a população. A
recusa de pacientes graves é outro fator que gera sofrimento, pois a não
realização de um tratamento por vezes efetivo, deixa o paciente à própria sorte
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Medicina defensiva é uma prática
médica largamente utilizada em nosso meio e em muitos países do mundo.
O
objetivo principal desta conduta equivocada seria defender o médico de
eventuais processos, principalmente os judiciais.
O
aumento de processos contra médicos, observados nos últimos anos, fez com que
esta prática ganhasse terreno.
Certamente
um aspecto que gera tensão e medo no profissional médico é a maneira como são
conduzidos os processos na justiça. Além da morosidade da justiça, em nosso
meio, que sem dúvida leva a um desgaste emocional às partes envolvidas, temos
observado na prática o despreparo dos juízes e também dos peritos judiciais, na
análise dos casos, fato que pode com certeza fazer com que a verdadeira justiça
não seja feita, prejudicando uma das partes.
No
tribunal se tem dado muita importância à farta documentação existente nos
autos. Desconsidera-se de um modo geral a prática médica mais simples, baseada
na história, observação clínica e larga e sedimentada experiência profissional.
O
julgador tem que conhecer a complexidade em que se situa hoje a ciência médica
e entender que o médico, basicamente, erra quando não cumpre com seus deveres
de conduta. Daí a importância do julgador em participar ativamente do processo
e não apenas observar o embate entre as partes.
Por
outro lado o perito judicial deve ter não só conhecimentos amplos de medicina
como também entender todos os processos que envolvem o erro médico e o mau
resultado.
CONCLUSÃO
A Medicina Defensiva é um desvio da
prática médica sensata, induzido, principalmente, pela ameaça de processos por
negligência profissional.
Além de ineficiente em proteger o
médico, ela traz conseqüências graves ao paciente e à sociedade, já que gera um
custo adicional incalculável ao exercício da medicina, determina um maior
sofrimento ao doente e faz com que haja uma deteriorização na relação
médico-paciente, que sempre foi pautada pela confiança, respeito e pessoalidade.
A maneira mais efetiva para se
evitar os conflitos entre o médico e seu paciente, certamente, não passa pela
utilização desta prática médica, mas sim pelo cultivo de uma boa relação
médico-paciente-familiar, pelo conhecimento dos deveres de conduta do médico,
evitando assim a possibilidade de cometer erros.
Por fim recomenda-se que os médicos
mantenham sempre adequadamente elaborados os prontuários dos pacientes,
incluindo o registro das informações que foram transmitidas e o grau de
participação dos pacientes e seus familiares nas decisões terapêuticas. Tais documentos,
caso sejam devidamente preenchidos, podem servir como prova de que foi cumprido
um dos deveres de conduta médica, que é o dever de informação, e, certamente,
provar que o médico atuou com todo zelo e cuidado, que deve ser pautado o
exercício desta nobre profissão.
Na verdade, medicina defensiva é
fruto do uso inadequado de recursos indicados, audição e tolerância
insuficientes e falta do bem querer.
REFERÊNCIAS
1.
Almada
H. R. De la Medicina
defensiva e la medicina asertiva. Rev Med Urug, vol.22, p.167-168, 2006.
2.
Sanches-Gonzáles
JM, Tena – Tamayo C, Campos-Castolo EM et al. Medicina Defensiva em México: una
encuesta exploratória para su caracterizacion. Cir Cir, vol.73(3), p.199-206,
2005.
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