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Brasil dispõe de 249 cursos de Medicina que, por ano, oferecem vagas
para 22.471 novos estudantes. No mundo, apenas a Índia supera essa
quantidade, com 381 escolas.
Esses dados constituem uma realidade fática que coloca em sério risco a formação profissional dos médicos no País.
Argumenta-se
que a abertura dessas escolas, algumas delas em municípios de 50.000
habitantes, fixará futuros médicos em áreas de difícil provimento. Essa é
uma falácia populista e demagógica, paradoxal à ética da
responsabilidade social e que desrespeita ou desconsidera a qualidade do
ensino a ser oferecido, muitas vezes para o gáudio político e
empresarial, com escolas sem docência e sem decência.
Informações
do próprio Ministério da Educação evidenciam a dimensão desse terreno
escorregadio. Números divulgados no fim de 2014 mostram que, de 154
cursos de Medicina já em atividade e avaliados, 27 (17,5%) receberam
nota “dois” no Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador de
qualidade das graduações, no qual são levados em consideração fatores
como titulação dos professores e infraestrutura. Em outras palavras,
tais cursos foram classificados como insatisfatórios.
No
Primeiro Mundo, onde a razão e a probidade administrativa não estão
submetidas à cultura da impunidade, essas escolas não teriam sido
autorizadas ou estariam fechadas. Infelizmente, sem uma correção de
rumos, esta distorção tende a se agravar.
Após
habilitação de 39 municípios para receber cursos de Medicina, em
setembro passado, o governo publicou, no início deste mês, outro edital
com a previsão da abertura de instituições de ensino em outras 22
cidades de oito Estados das regiões menos desenvolvidas, com 3.887
vagas, parte de uma meta a ser alcançada: mais 11.700 vagas até o ano de
2017.
Esse
é mais um sinal dos tempos conflituosos em que ações temerárias têm
contribuído para a deterioração gradativa do ensino da Medicina no País,
ao se permitir a abertura de escolas – a maioria delas privadas – sem
condições de funcionamento. No entanto, essa situação não se limita à
graduação e atinge também a Residência Médica.
No
âmbito da pós-graduação em programas de Residência Médica, a
necessidade de mais conhecimento, habilidades e competências,
transformou-se – por medidas políticas propostas pelo Poder Executivo –
em assistência prestada por mão-de-obra barata e desprovida de melhores
atributos que deveriam ser adquiridos em um sistema teórico-prático de
ensino-aprendizado.
No
sentido dessa estranha “metamorfose”, do ensino-aprendizado em
assistência por mão-de-obra barata, está previsto pelo Programa Mais
Médicos (Lei nº 12.871/13) que, até dezembro de 2018, todo egresso das
escolas terá direito a uma vaga na Residência Médica, certamente
disponibilizada, muitas vezes, em locais inadequados e sem a devida
preceptoria.
Como
na graduação, a lógica prevalente é a da quantidade em detrimento da
qualidade, ignorando-se seu impacto – a médio e longo prazo – na
segurança do paciente e no ético desempenho da Medicina. Surge um ciclo
vicioso, onde alunos mal preparados serão médicos e educadores com pouca
formação e limitações inaceitáveis no exercício das suas
especialidades.
Para
impedir que esse quadro se instale, urge a adoção de eficiente processo
de avaliação progressiva dos discentes e dos cursos de graduação, sob
rígido controle social, bem como um sistema independente de governo,
dotado de credibilidade social, para acreditação das Escolas Médicas.
De
forma complementar, as Residências Médicas precisam estar sob
fiscalização intensa, estabelecendo-se um instrumento ativo contra as
distorções e as cobranças das responsabilidades envolvidas.
Mas,
acima de tudo, é fundamental a compreensão de que a interferência
autoritária nos processos de ensino e formação médica não resolve a
crise da assistência à Saúde e de que a persistência desses equívocos
resultará em danos irreparáveis à sociedade brasileira, ao prestígio da
Medicina e ao bom conceito daqueles que a exercem.
Em
lugar de ações marcadas pela falta de planejamento e por inidôneos
interesses políticos, eleitorais e empresarias, o País precisa de
atitudes sérias e coerentes com o ensino médico de qualidade e com uma
política de Saúde que enfrente as deficiências do sistema público, com
efetivo controle e avaliação, aumento do financiamento, melhor gestão
administrativa e com o reconhecimento de que o acesso ao atendimento
eficaz passa pela valorização dos recursos humanos, com a criação de uma
carreira de Estado no SUS e com a promoção de dignas condições de
trabalho.
Palavra do Presidente publicada na edição nº 243 do Jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.
O artigo foi também veiculado pelo jornal Correio Braziliense, edição de 22/05/2015.
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25479:2015-04-29-14-15-01&catid=46:artigos&Itemid=18
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