quarta-feira, 3 de junho de 2015

Para magistrados, negar fornecimento de remédios implica desrespeito às normas constitucionais

A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 4ª Vara Federal de Campo Grande que havia determinado o fornecimento do medicamento Valganciclovir (Valcyte) 450 mg pela União, pelo estado de Mato Grosso do Sul e pelo município de Campo Grande a um portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
O paciente havia ingressado com o pedido de tutela antecipada com o objetivo de obter o medicamento Valganciclovir, de uso contínuo, por período indeterminado, alegando ser portador da AIDS e da doença crônica infecciosa (CID10: B20.2). Argumentou ainda que não ter condições financeiras de custear o tratamento, receitado com o remédio, que não é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A sentença da 4ª Vara Federal de Campo Grande julgou procedente o pedido, condenando os entes públicos, solidariamente, ao fornecimento do medicamento à parte autora, na quantidade suficiente para a garantia da eficiência do tratamento e pelo tempo que for necessário. Também impôs ao estado do Mato Grosso do Sul e ao município de Campo Grande o pagamento de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União, no valor de R$ 800,00 cada, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º do Código de Processo Civil (CPC).
A União apelou, pleiteando a reforma da sentença, alegando não caber ao Poder Judiciário fazer a seleção de prioridades na divisão de gastos com a saúde. Para ela, isso seria violação aos princípios da separação dos poderes e da reserva do possível, afirmando que a imposição de multa à Fazenda Pública representa verdadeira socialização da punição.
Ao analisar o processo no TRF3, a desembargadora federal Consuelo Yoshida salientou que a demanda versa sobre o direito fundamental à vida e à saúde, cuja proteção é pressuposto do direito à vida. “O direito à vida está assegurado, como inalienável, logo no caput, do artigo 5º da Lex Major. Portanto, como direito a ser primeiramente garantido pelo Estado brasileiro, isto é, pela República Federativa do Brasil, tal como se define o estatuto político-jurídico desta Nação”, disse.
A decisão enfatiza que o funcionamento SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios, de modo que, qualquer uma dessas entidades tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação. Isso visa à garantia do acesso a medicamentos para pessoas que não possuem recursos financeiros.
Na decisão, a magistrada ressalta que ficou comprovada a essencialidade do medicamento de alto custo pleiteado, conforme atestado em laudo apresentado por perito judicial. Segundo a desembargadora federal, a recusa no fornecimento do medicamento implica desrespeito às normas que garantem o direito à saúde e, acima de tudo, à vida, razão pela qual se mostra como intolerável omissão, em um Estado Democrático de Direito.
Para ela, também não deve prosperar a alegação da União de descabimento de aplicação de multa por descumprimento de ordem judicial em face da Fazenda Pública, já que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que é cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa (artigos 461 e 461-A do CPC).
A decisão apresenta precedentes jurisprudenciais do STF, STJ e do próprio TRF3.
Apelação/reexame necessário 0009956-77.2011.4.03.6000/MS
(Informações do TRF3)

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